SEXTA-FEIRA, 02 DE SETEMBRO DE 2014
(SESSÃO PARTICULAR)
CONSIDERAÇÕES SOBRE O OBJETIVO E O CARÁTER DA SOCIEDADE
“Senhores e senhoras,
“Algumas
pessoas parecem enganadas quanto ao verdadeiro objetivo e o caráter da
Sociedade Uberabense de Magnetizadores. Permiti-me relembrá-los em poucas palavras.
“O
objetivo da Sociedade está claramente definido em seu título e no
preâmbulo do regimento atual. Esse objetivo é essencialmente e, pode-se
dizer, exclusivamente, o estudo da Ciência Espírita. O que queremos,
antes de tudo, não é nos convencermos, pois já o estamos, mas
instruir-nos e aprender aquilo que não sabemos. Para tanto, queremos
colocar-nos nas mais favoráveis condições. Como tais estudos exigem
calma e recolhimento, queremos evitar tudo quanto seja causa de
perturbações. Tal é a consideração que deve prevalecer na apreciação das
medidas que adotarmos.
“Partindo
deste princípio, a Sociedade não se apresenta absolutamente como
sociedade de propaganda. Sem dúvida, cada um de nós deseja a difusão das
ideias que julga justas e úteis e contribui para isso no círculo de
suas relações e na medida de suas forças, mas seria erro julgar que seja
necessário para tanto estar reunidos em sociedade e, mais falso ainda,
crer que a Sociedade seja uma das coluna, sem a qual o Espiritismo ou o Mesmerismo estaria em
perigo. Estando a nossa sociedade regularmente constituída, por isso
mesmo procede com mais ordem e método do que se marchasse ao acaso, mas,
com tudo isto, ela não é mais preponderante do que milhares de
sociedades livres ou reuniões particulares em Uberaba ou fora dele.
Ainda uma vez, o que ela quer é instruir-se, por isso não admite em seu
seio senão pessoas sérias e animadas do mesmo desejo, porque o
antagonismo de princípios é uma causa de perturbação. Falo de
antagonismo sistemático sobre as bases fundamentais, porque não poderia
ela, sem se contradizer, afastar a discussão da questão de detalhes. Se
ela adotou certos princípios gerais, não o fez por estreito espírito de
exclusivismo. Ela viu tudo, tudo estudou e comparou. Depois é que formou
uma opinião baseada no raciocínio e na experiência. Só o futuro pode
encarregar-se de lhe dar razão ou não. Mas, enquanto espera, ela não
busca qualquer supremacia e só os que não a conhecem podem supor-lhe a
ridícula pretensão de absorver todos os partidários do Espiritismo, ou
de se estabelecer como reguladora universal. Se ela não existisse, cada
um de nós instruir-se-ia por seu lado, e em vez de uma única reunião,
talvez formássemos dez ou vinte ─ eis toda a diferença. Não impomos
nossas ideias a ninguém. Os que as adotam é porque as consideram justas.
Os que vêm a nós é porque pensam aqui encontrar oportunidade de
aprender, mas isto não é como uma afiliação, pois não formamos uma seita, nem um partido. Nós
nos reunimos para o estudo do Espiritismo e consequentemente para o entendimento do Magnetismo Animal, como outros para o estudo da
Frenologia, da História ou de outras ciências. Como nossas reuniões não
se baseiam em qualquer interesse material, pouco nos importa se outras
se formam ao nosso lado. Na verdade, seria atribuir-nos ideias muito
mesquinhas, estreitas e pueris, crer que as veríamos com olhos
ciumentos, e os que pensassem em criar-nos rivalidades, mostrariam,
assim, quão pouco compreendem o verdadeiro espírito da Doutrina. Só uma
coisa lamentaríamos: é que nos conheçam tão mal, a ponto de nos suporem
acessíveis ao ignóbil sentimento da inveja. Concebe-se que empresas
mercenárias rivais, que se podem prejudicar pela concorrência, se vejam
com maus olhos. Mas se tais reuniões não têm em vista, como deve ser, senão interesse puramente moral; se não se mistura nenhuma consideração mercantil, pergunto
em que podem elas ser prejudicadas pela multiplicidade? Dir-se-á, por
certo, que se não há interesse material, há o do amor próprio, o desejo
de destruir o crédito moral do vizinho. Mas esse móvel seria
provavelmente mais ignóbil ainda. Se assim é ─ o que Deus não permita ─
teríamos apenas a lamentar os que fossem movidos por semelhantes
pensamentos. Queremos sobrepujar o vizinho? Tratemos de fazer melhor que
ele. Eis uma luta nobre e digna, se não for comprometida pela inveja e
pelo ciúme.
Eis,
pois, senhores, um ponto essencial a não perder de vista, é que nem
formamos uma seita, nem uma sociedade de propaganda, nem uma corporação
com um interesse comum. Se cessássemos de existir, o Espiritismo não
sofreria qualquer prejuízo. Dos nossos restos formar-se-iam vinte outras
sociedades. Portanto, os que buscassem destruir-nos, visando entravar o
progresso das ideias espíritas, nada lucrariam. É preciso saberem que
as raízes do Espiritismo não estão em nossa Sociedade, mas no mundo
inteiro. Existe algo mais poderoso do que eles; mais influente do que
todas as Sociedades: é a doutrina que vai ao coração e à razão dos que a
compreendem e sobretudo dos que a praticam.
Esses
princípios, senhores, indicam-nos o verdadeiro caráter do nosso
regimento, que nada tem de comum com os estatutos de uma corporação.
Nenhum contrato nos liga uns aos outros. Fora das sessões, não temos
outras obrigações recíprocas senão as de nos comportarmos como gente bem
educada. Os que nestas reuniões não encontrarem o que esperavam, têm
toda liberdade de retirar-se, e eu não compreenderia mesmo que
permanecessem, desde que não lhes conviesse o que aqui se faz. Não seria
racional que aqui viessem perder seu tempo.
Em
toda reunião é preciso uma regra para a manutenção da boa ordem. Nosso
regulamento é, pois, apenas um roteiro destinado a estabelecer a ordem
das sessões; a manter, entre os presentes, as relações de urbanidade e
educação que devem presidir a todas as assembleias de pessoas de boas
maneiras, abstração feita das condições inerentes à especialidade de
nossos trabalhos, porque não tratamos apenas com homens, mas também com
Espíritos e, como sabeis, nem todos são bons. Contra a violência
daqueles que destoam, temos de nos guardar. Entre eles, alguns são mais
astuciosos e podem mesmo, por ódio ao bem, induzir-nos a uma via
perigosa. Devemos, pois, ter muita prudência e perspicácia para
vencê-los, o que nos obriga a tomar precauções especiais.
Lembrai-vos,
senhores, de como se formou a Sociedade. Eu recebia em minha casa um
pequeno número de pessoas. Acharam que o grupo cresceu; que era preciso
um local maior. Para tê-lo, teríamos que pagar, portanto, teríamos que
nos cotizarmos. Disseram mais: é preciso ordem nas sessões; não é
possível admitir o primeiro que se apresente; é necessário um
regulamento. Eis toda a história da Sociedade. Ela é muito simples, como
vedes. Não passou pela cabeça de ninguém a idéia de fundar uma
instituição, nem de ocupar-se, fosse do que fosse, além dos estudos, e
eu declaro mesmo, de modo muito formal, que se um dia a Sociedade fosse
além, eu não a acompanharia.
Aquilo
que eu fiz, outros podem fazê-lo com maestria, ocupando-se disso à sua
vontade, conforme o seu gosto, suas idéias e seus pontos de vista
particulares, e esses diferentes grupos podem entender-se perfeitamente e
viver como bons vizinhos. Como é materialmente impossível reunir todos
os partidários do Espiritismo num mesmo local, a não ser que se ocupasse
uma praça pública para as assembleias, esses diversos grupos devem
constituir frações de um grande todo, mas não seitas rivais. O próprio
grupo, tornando-se muito numeroso, pode subdividir-se como os enxames de
abelhas. Esses grupos já existem em grande número e se multiplicam
diariamente. Ora, é precisamente contra essa multiplicação que a má
vontade dos inimigos do Espiritismo virá quebrar-se, porque os entraves
teriam como efeito inevitável, e pela mesma força das coisas, a
multiplicação das reuniões particulares.
Convenhamos,
entretanto, que entre certos grupos há uma espécie de rivalidade ou
antagonismo. Qual a causa? Ó meu Deus! Essa causa está na fraqueza
humana; no espírito de orgulho que quer impor-se; está, sobretudo, no
conhecimento ainda incompleto dos verdadeiros princípios do Espiritismo.
Cada um defende os seus Espíritos, como outrora as cidades da Grécia
defendiam os seus deuses, que, diga-se de passagem, não passavam de
Espíritos mais ou menos bons. Essas dissidências só existem porque há
pessoas que querem julgar antes de terem tudo visto, ou julgam do ponto
de vista de sua personalidade. Elas apagar-se-ão como muitas outras se
apagaram, à medida que a Ciência se reformular, porque, em definitivo, a
verdade é uma só, e sairá do exame imparcial das várias opiniões.
Esperando que a luz se faça sobre todos os pontos, qual será o juiz?
Dir-se-á que a razão. Mas quando duas pessoas se contradizem, cada uma
invoca a sua razão. Que razão superior decidirá entre aquelas duas?
Sem
nos determos sobre a forma mais ou menos imponente da linguagem, forma
que muito bem sabem utilizar os Espíritos impostores e pseudossábios,
para seduzir pelas aparências, partimos do princípio de que os bons
Espíritos não aconselham senão o bem, a união, a concórdia; que sua
linguagem é sempre simples, modesta, penetrada de benevolência, isenta
de acrimônia, de arrogância e de fatuidade. Numa palavra, que tudo neles
respira a mais pura caridade. A caridade, eis o verdadeiro critério
para julgar os Espíritos e para julgar-se a si próprio. Quem quer que,
sondando o foro íntimo de sua consciência, nele encontrar um germe de
rancor contra o próximo, mesmo um simples desejo do mal, pode dizer a si
mesmo, com certeza, que é solicitado por um Espírito malévolo, porque
esquece as palavras do Cristo: “Sereis perdoados como vós mesmos
houverdes perdoado.” Então, se houvesse rivalidade entre dois grupos
espíritas, os Espíritos realmente bons não poderiam estar ao lado do que
anatematizasse o outro, porque jamais um homem sensato poderia crer que
a inveja, o rancor, a malevolência, numa palavra, todo sentimento
contrário à caridade pudesse emanar de uma fonte pura. Procurai, então,
de que lado há mais caridade prática e
não de palavras e reconhecereis sem esforço de que lado estão os
melhores Espíritos e, consequentemente, de quais temos mais razão de
esperar a verdade.
Estas
considerações, senhores, longe de nos afastarem do nosso assunto,
colocam-nos no verdadeiro terreno. Encarado deste ponto de vista, o
regimento perde completamente seu caráter de contrato para revestir
aquele, bem mais modesto, de simples regra disciplinar.
Todas
as reuniões, seja qual for o objetivo, deverão premunir-se contra um
escolho, o dos caracteres perturbadores, que parecem nascidos para
semear o tumulto e a cizânia onde se encontrem. A desordem e a
contradição são o seu elemento. Mais que as outras, as reuniões
espíritas devem afastá-los, porque as melhores comunicações só são
obtidas na calma e no recolhimento, incompatíveis com a sua presença e a
dos Espíritos simpáticos que os acompanham.
Em
resumo, o que devemos buscar é remover todas as causas de perturbações e
de interrupção; manter entre nós as boas relações, de que, mais que os
outros, os bons espíritas devem dar exemplo; opor-nos por todos os meios
possíveis a que a Sociedade se afaste de seu objetivo; que aborde
questões que não são de sua competência, e que degenere em arena de
controvérsias e personalismo. O que devemos buscar, além disso, é a
possibilidade de execução, simplificando o mais possível as engrenagens.
Quanto mais complicadas essas engrenagens, tanto mais numerosas as
causas de perturbação. O relaxamento seria introduzido pela força das
coisas, e do relaxamento à anarquia há um só passo.”
Sem Mais
Rodrigo Elias Cardoso
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